Esquema de desvio de emendas cobrava 12% em 'pedágio' das prefeituras para grupo de deputado, diz PF
08/07/2025
(Foto: Reprodução) Ministro Gilmar Mendes, do STF, autorizou operação que cumpriu mandados de busca e apreensão contra o deputado Júnior Mano (PSB-CE). Grupo do deputado interferiu em eleições locais, afirmou a PF. Deputado Júnior Mano e outras 5 pessoas são alvos da PF por fraudes em licitações
A Polícia Federal deflagrou nesta terça-feira (8) a Operação Underhand, que apura o desvio de recursos públicos por meio de emendas parlamentares e fraudes em licitações em cidades do Ceará. Segundo a PF, um grupo ligado ao deputado federal Júnior Mano (PSB-CE) cobrava 12% de “pedágio” das prefeituras sobre o valor das emendas para liberar os recursos e direcionar as contratações.
Segundo a PF, áudios obtidos pelos investigadores mostram que o grupo "era informado, em tempo real, da liberação de recursos e da expectativa de retorno financeiro".
E que havia referências expressas de que "verbas oriundas de seu gabinete seriam destinadas à compra de apoio político, ao financiamento oculto de campanhas e ao pagamento de influenciadores e jornalistas."
A PF informou ao STF que uma ex-prefeita relatou em depoimento ter sido procurada pelo grupo do deputado com uma proposta "explícita de repasse de emenda parlamentar" condicionada a uma devolução de 15% do valor.
A informação sobre a suposta propina consta de trocas de mensagens, segundo a PF afirmou no pedido feito ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para deflagrar a operação realizada nesta terça.
"Mensagens trocadas entre Carlos Alberto Queiroz (conhecido como Bebeto) [investigado em uma fase anterior da operação] e interlocutores ligados ao deputado, como 'Adriano Escritório Junior Mano', revelam que o grupo autorizava a destinação de emendas parlamentares, inclusive de terceiros, para prefeituras previamente cooptadas, mediante exigência de retorno financeiro na ordem de 12%", afirmou a PF ao STF.
"Tal percentual era tratado como 'imposto' ou 'pedágio' cobrado sobre os valores destinados, numa prática institucionalizada de corrupção", continuou a polícia.
Interferência em eleições locais
O ministro relator do caso também mencionou avaliação feita pela Procuradoria-Geral da República de que a atuação do grupo criminoso "revelou-se apta a contaminar, no âmbito de diversos municípios localizados no Estado do Ceará, a higidez dos processsos eleitorais, comprometer a imparcialidade das licitações e contratações públicas, culminando no desvio de recursos públicos e, em situações de maior gravidade, provocar o esvaziamento funcional e institucional da administração pública."
Júnior Mano e esposa, atual prefeita de Nova Russas, cidade onde Mano nasceu e foi vice-prefeito.
Reprodução/Redes Sociais
Deputado como figura central do esquema
A PF apontou que Junior Mano foi "figura estruturante de uma organização criminosa" que usou recursos públicos indevidamente e manipulou eleições em diversas cidades cearenses.
Segundo as apurações, "a atuação do parlamentar extrapola a esfera meramente política, configurando-se como operador ativo da engrenagem criminosa".
Ao atender aos pedidos da Polícia Federal, Gilmar Mendes destacou o fato dos investigadores terem identificados que os envolvidos no esquema apagavam mensagens e adotavam estratégias para dificultar a atuação da polícia, o que poderia levar à destruição de provas essenciais.
A própria PF destacou que grande parte dos crimes cometidos pelo grupo se dava por meio de mensagens trocadas em aplicativos de mensagens.
Sequestro de bens
Além de busca e apreensão, o ministro Gilmar Mendes autorizou o sequestro dos valores encontrados nas contas bancárias dos suspeitos do esquema.
A PF argumentou que "os investigados utilizam contas bancárias próprias e de terceiros — incluindo familiares, assessores e titulares de programas sociais — como instrumento para a dissimulação de titularidade e origem de recursos".
As contas continuavam ativas mesmo depois de parte do grupo já ter sido alvo de medidas investigativas anteriormente.
"Tal circunstância, somada à pulverização de valores e ao fracionamento sistemático das transações — com destaque para retiradas recorrentes em espécie próximas ao limite regulatório de R$ 50.000 — evidencia que, sem o bloqueio imediato das contas, a organização permanece…
Município comandado pela esposa do deputado recebeu o maior volume
A cidade de Nova Russas, no interior do Ceará, foi o município que mais recebeu recursos de Júnior Mano. A prefeita da cidade é Giordanna Mano (PRD), é esposa do parlamentar.
Segundo levantamento feito pelo g1 com dados do Portal da Transparência do governo federal, Nova Russas recebeu R$ 4,4 milhões em emendas do deputado desde 2021. Desse total, R$ 3,05 milhões vieram por transferências especiais — modelo de repasse sem necessidade de detalhamento da aplicação dos recursos.
O R$ 1,35 milhão restantes foram repassados com destinação definida: R$ 1 milhão pelo Ministério da Saúde e R$ 350 mil pelo Ministério do Desenvolvimento Social.
Com cerca de 32 mil habitantes, Nova Russas teve um repasse equivalente a R$ 137 por morador, o terceiro maior valor per capita entre os municípios que receberam emendas do deputado.
Mandados em seis cidades
Foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao parlamentar nas cidades de Nova Russas, Fortaleza, Eusébio, Canindé, Baixio (no Ceará) e em Brasília. A PF não informou se a prefeita Giordanna Mano é formalmente investigada.
Eusébio e Canindé, também alvos da operação, receberam R$ 500 mil e R$ 320 mil em emendas, respectivamente.
Histórico de cassação
Em 2022, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará cassou os diplomas de Giordanna Mano e do vice-prefeito José Anderson por abuso de poder político e compra de votos. O TRE também tornou Júnior Mano inelegível por 8 anos.
Em 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reverteu a decisão e restabeleceu os direitos políticos do casal.
O que dizem os citados
A assessoria de Júnior Mano afirmou, em nota, que o parlamentar atua para garantir recursos para obras e programas relevantes no estado do Ceará e que todas as verbas enviadas pela União tiveram aplicação analisada pelos órgãos de fiscalização.
A Prefeitura de Nova Russas foi procurada, mas não se manifestou até a última atualização desta reportagem.
A suspeita foi revelada durante a operação, que apura fraudes em convênios firmados entre prefeituras e o governo federal por meio de emendas de relator, conhecidas como “orçamento secreto”.